Narrativa de uma Idosa


Sou uma mulher de 77 anos, tenho os cabelos brancos e algumas rugas fruto do desgaste dos anos, realizo ainda algumas ou quase todas as atividades da vida diária, tenho autonomia, no entanto sinto-me desgastada e cansada pelo passar dos anos. Vivo com o meu marido, tenho 2 filhos e 6 netos.

Hoje sinto-me feliz, sinto que ao longo dos anos alcancei grande parte dos meus objetivos, cuidei e sempre estive perto dos meus pais, constituí a minha família e os meus filhos hoje têm já também uma família formada. Tenho os meus netos, que me enchem o ego, tal como os meus filhos, sinto sim, grande ansiedade e saudade pelo facto de não poderem estar sempre presentes, no entanto todos são presença assídua no meu quotidiano.

Encaro a velhice com naturalidade, é um processo pelo qual todos passamos, é um ciclo de vida como outros que já vivi e que tem aspetos positivos e negativos. A decrepitude foi encarada ao longo dos anos com pontos de vista divergentes, uns favoráveis, outros desfavoráveis, hoje a velhice é encarada já com alguma naturalidade. No entanto há ainda algum preconceito ou estigma relativamente a este período da vida, mas com o qual eu convivo bem.

Considero que muito tem sido feito ao longo do tempo em prol da temática do envelhecimento, mas muito terá que ser feito ainda. Desde a comunicação social, à promoção de valores, ao trabalho das famílias e educadores e obviamente, o poder político, que terá de adequar medidas e estratégias em função de uma faixa da população que outrora teve um contributo social, económico e de participação cívica e moral na sociedade.

Ao poder político cabe implementar medidas públicas, dinamizar as já existentes e legislar um conjunto de regras e princípios que deverão ser respeitados por todos.

Ao perdermos a autonomia temos sempre a hipótese da institucionalização, mas as instituições têm em atenção, ou fazem a diferenciação das necessidades dos seus utentes? Penso que não. Todos ou quase todos são tratados da mesma forma, por falta de recursos financeiros, económicos ou humanos, esta triagem nem sempre é feita, apontei algumas, mas haverá certamente tantas outras causas que condicionam esta atuação. As instituições hoje são claramente insuficientes para dar resposta às necessidades, é um facto que vivemos mais anos, cálculo que não foi feito anteriormente, então talvez a solução passe por chamar as famílias a terem, sempre que possível, uma participação mais ativa junto dos seu progenitores ou familiares. Para que tal aconteça é necessário compensar essas pessoas financeiramente para que possam optar por serem ou não cuidadores, pelo menos dar-lhes essa possibilidade, haver livre arbítrio na tomada de decisão, uns certamente apreciariam a possibilidade e outros não. Seria justo para as famílias e possivelmente rentável para o estado equacionar-se esta possibilidade, pese embora os contratempos que daí adviessem. Temos outra valência, o apoio domiciliário que carecia de uma reestruturação, com mais meios para pudesse ser dado um maior acompanhamento daquele que é dado atualmente. Levar a alimentação, fazer a higiene e limpeza da casa é claramente insuficiente. Benéfico seria haver este acompanhamento sim, mas com visitas de 2 em 2h, de forma a que as pessoas se pudessem manter nas sua residenciais. Envolve custos, no entanto devem ser feitos cálculos e avaliar a carga emocional, social e económica dos utentes. Seriam muitas as vantagens se se adequassem as necessidades das pessoas mais velhas à realidade que temos hoje. A implementação de centros de noite seriam uma mais- valia para quem seja menos autónomo, esteja sozinho ou tenha dificuldades de comunicação, equipamentos eletrónicos que permitam a assistência e visionamento dos utentes à distância que permitam a rápida intervenção de um técnico. Estas são algumas das políticas públicas que gostava, umas que fossem dinamizadas nos contornos que apontei, outras que fossem implementadas. Tal como eu, outros amigos pensam da mesma forma, gostaríamos de permanecer nas nossas residências e poupar os filhos a trabalhos redobrados, permitiria certamente ao estado fazer uma poupança em termos de custos e nós, utentes seríamos mais gratos e felizes.

Hoje tal como antes gosto de conviver, de passear, de me sentir útil e trabalhar, deêm-me a mim e aos outros da minha idade a possibilidade de partilhar as nossas experiências, de legar ensinamentos e práticas que correm o risco de se perderem.

Gostaria que também o poder local dinamizasse espaços e equipamentos de cariz cultural, um espaço aberto a todos, nomeadamente ateliers de escultura, pintura, música, leitura, teatro entre outras atividades, que poderia funcionar como um" banco do tempo", em que cada pessoa disponibiliza algum do seu tempo livre para ensinar outros ou que já tivessem contacto com as temáticas e para outros sem qualquer ligação às atividades mencionadas.

Para terminar a minha narrativa apelo à sociedade civil, às autarquias e ao poder central que dinamizem e criem estruturas de apoio aos mais velhos, mas equipamentos que tenham vivacidade, alegria, de forma a que possam ser desfrutados da mesma forma que quando se é mais novo. Os lares que temos hoje muitos deles são deprimentes, mórbidos e as pessoas têm que usufruir deles porque não tem outra alternativa. Estará certamente na hora de agitar as mentalidades, arregaçar as mangas(no verdadeiro sentido da palavra) e tomar atitudes que beneficiem todos, famílias, pessoas mais velhas e a sociedade em geral.

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